Sérgio Rodrigues, Revista Veja
Muita gente só se deu conta da novidade quando, a
certa altura da cerimônia de encerramento dos Jogos de Londres, domingo, foi
anunciada a realização dos Jogos Paralímpicos de 2016 no Rio de Janeiro.
Espera aí: “paralímpicos”?! Os jogos não deveriam
ser “paraolímpicos”, como sempre foram?
Não se
tratava de erro de digitação. Em novembro do ano passado, quando foi divulgada
a logomarca do evento, o Comitê Paraolímpico Brasileiro (CPB), assim chamado
desde sua fundação, em 1995, aproveitou para anunciar que estava trocando de
nome “para se alinhar mundialmente aos demais países”. Para tanto, deixava um o
pelo caminho, tornando-se oficialmente o Comitê Paralímpico Brasileiro. Na
mesma data, estipulava um prazo de 18 meses – que vence em maio do ano que vem
– para que as entidades a ele filiadas se atualizem ortograficamente.
Na prática,
isso significa que a palavra “paraolímpico” tem seus dias contados. Normalmente
não é tão grande o poder de entidades reguladoras sobre a língua que as pessoas
de fato falam. Neste caso, porém, trata-se de um campo ainda em processo de
organização e que depende pesadamente da esfera oficial. Isso me leva a prever
que a velha grafia “paraolímpico” não terá a menor chance, embora a forma
“paralímpico” ainda nem apareça em nossos dicionários ou no Vocabulário Ortográfico
da Academia Brasileira de Letras.
Estamos
diante de uma vitória da globalização sobre o espírito de nossa língua. Isso é
bom? Ruim? Tanto faz? Depende do aspecto que se decida enfatizar. Antes que a
nova grafia se torne tão natural que a história da palavra vire uma curiosidade
de museu, convém recapitular sumariamente sua trajetória.
A palavra
paraolímpico foi formada a partir da junção do prefixo de origem grega para
(de paraplegia) com o adjetivo olímpico. Se hoje não interessa ao movimento
paraolímpico enfatizar a relação com a paraplegia que está na origem do termo,
mesmo porque abarca muitos outros tipos de deficiência, cabe à etimologia
registrar isso.
Desde 1960,
quando 400 atletas disputaram em Roma os primeiros – e oficiosos – Jogos
Paraolímpicos, o campo paradesportivo caminhou do amadorismo abnegado para o
profissionalismo. Compreensivelmente, hoje o site do Comitê Paralímpico
Internacional – fundado em 1989, um ano após os Jogos Olímpicos de Seul
empregarem oficialmente a palavra pela primeira vez – prefere explorar a
riqueza semântica de ‘para’, que segundo o Houaiss pode indicar, além de
defeito, proximidade e semelhança:
A palavra
‘paralímpico’ deriva da preposição grega ‘para’ (ao lado) e da palavra
olímpico. Significa que os Jogos Paralímpicos se realizam paralelamente aos
Olímpicos e ilustra o modo como os dois movimentos existem lado a lado.
O comitê
internacional é “paralímpico” desde sempre. O português, fundado em setembro de
2008, também já nasceu com essa grafia, contrariando o parecer encomendado na
época pelo Instituto do Desporto à linguista Margarita Correia. “Será mais
consentâneo com a estrutura da língua portuguesa (…) que o termo em causa
mantenha a vogal inicial ‘o’ da palavra ‘olímpico’”, opinou ela, adotando uma
posição que me parece linguisticamente irrefutável. A palavra que deveria
permanecer íntegra é “olímpico”: se fosse o caso de contração, que se criasse
“parolímpico”. Paralímpico soa simplesmente errado em nosso idioma.
Claro que
agora é tarde. O Brasil resistiu por muitos anos, mas, sem o apoio de Portugal,
ficou difícil conter a onda internacional. Vamos de paralímpico, paciência. Mas
que é esquisito, é. 14/08/2012
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